Políticas Públicas de base local para responder a carências habitacionais
João Lourenço Marques é professor na Universidade de Aveiro e coordenador do Grupo de Estudos em Território e Inovação.
As Políticas Públicas de Habitação não têm conseguido garantir a todos, o direito a habitação adequada, deixando muitas famílias afastadas desta condição básica de sobrevivência e de dignidade. Apesar do direito à habitação, estar consagrado no artigo 65.º da Constituição da República, a definição de direitos habitacionais tem vindo a evoluir, alargando os seus limites conceptuais para critérios mais amplos. A habitação pode também não ser considerada adequada se não tiver disponível um conjunto de elementos e infraestruturas básicas, nomeadamente no que concerne ao acesso a água potável, saneamento e recolha/tratamento de resíduos e energia; mas também passam pela segurança do usufruto, localização adequadas, como pela também aspetos que respeitem a identidade cultural (United Nation, 2016).
Em Portugal, as situações de habitabilidade indigna ainda persistem, não obstante os esforços desenvolvidos. Atentando aos resultados do inquérito aplicado aos municípios, em 2017, com o objetivo de se realizar um levantamento sistemático sobre as necessidade de realojamento habitacional, concluiu, que 187 municípios têm carências habitacionais sinalizadas; 26 mil famílias foram identificadas como estando em situação habitacional claramente insatisfatória; 15 mil edifícios e 32 mil fogos não têm as condições mínimas de habitabilidade e que 74% das carências habitacionais identificadas localizam-se nas Áreas Metropolitanas (IHRU, 2018). Sendo este um levantamento exploratório, a convicção de que estes valores, quando forem sujeitos a um recenseamento mais detalhado, assumirão contornos mais expressivos. Tal, agudiza a urgência de desenhar um novo referencial de políticas, apetrechado dos programas de ação capazes de aplacar a persistência deste problema.
Pensar numa política de habitação, implica assim, antes de mais, construir soluções para resolver carências persistentes e outras emergentes. No plano internacional, a prossecução deste objetivo tem sido liderada pelas Nações Unidas, a nível nacional, tem-se vindo a destacar o pacote legislativo desenhado no âmbito da Nova Geração de Políticas de Habitação. Com quase duas dezenas de instrumentos regulamentares (produzidos entre 2016 e 2020), destacam-se dois, pelo capital operativo que comportam: o Decreto-Lei n.º 37/2018 de 4 de junho que estabelece o 1.º Direito (Programa de Apoio ao Acesso à Habitação) e a Lei n.º 83/2019 de 3 de setembro (Lei de Bases da Habitação) que estabelece as bases do direito à habitação, as incumbências e tarefas fundamentais do Estado na efetiva garantia desse direito a todos os cidadãos.
Com o programa 1.º Direito, definem-se novas soluções para resolver as carências mais prementes, clarificando-se um conjunto de princípios, conceitos e procedimentos para desenhar a parceria entre o Estado Central (através do IHRU), as autarquias. Essa parceria ganha ramificações abrindo-se a instituições dos setores cooperativo, social e privado para se constituírem como entidades benificiárias para cocriar soluções habitacionais para famílias que vivam em situações de carência. Este programa tem de estar enquadrado por uma Estratégia Local de Habitação (ELH), que vinculam as intervenções municipais a um exercício de planeamento colaborativo e dinâmico, que abre portas para que se desenhem sistemas locais de monitorização de intervenção para resolver as diferentes tipologias de carências habitacionais. A elaboração da ELH obedece à metodologia de um programa de ação, centrando-se em três propósitos: i) elaborar um diagnóstico global atualizado onde se tipifiquem as carências habitacionais; ii) apresentar as soluções habitacionais que o município pretende implementar, em coerência com as opções estratégicas ao nível da ocupação do solo e do desenvolvimento do território e com os princípios do 1º Direito; iii) programar para um período de 6 anos e por níveis de prioridade, a execução das soluções habitacionais desenhadas para sanar as situações de carência das famílias identificadas no diagnóstico.
Por seu lado, a Lei de Bases da Habitação abre a possibilidade de trazer a habitação para o espaço de intervenção dos instrumentos de gestão territorial, apontando no sentido de que a política municipal de habitação deve: i) ser integrada nos instrumentos de gestão territorial; ii) prever áreas adequadas e suficientes destinadas a este uso; iii) garantir a gestão e manutenção do património habitacional municipal, bem como a sua manutenção; iv) elaborar a Carta Municipal de Habitação (CMH)" de forma que possa ser articulada com o Plano Diretor Municipal; v)definir as necessidades de solo urbanizado e de reabilitação do edificado que respondem às carências habitacionais na sua CMH.
Os municípios podem assim, fazer uso de um instrumento integrador (a CMH) articulando-o com um instrumento ("financeiro") de intervenção de emergência: a ELH.